26 novembro 2015

Nossas Excelências ─ Ou “Cólicas e Náuseas”





Sei que alguns amigos do mundo real e virtual ficarão desapontados pelo fato de, aqui em meu espaço do Google, admitir que em certas noites de insônia, tenho ousado dirigir o controle remoto de minha TV para os canais do Senado e da Câmara. Não sei o que me atrai tanto ficar por longo tempo observando as “Nossas Excelências” excitadas como se estivessem em transe, a distilar suas eloquentes e exageradas retóricas noite adentro.

Interessante é que a repetição modorrenta da expressão “Vossa Excelência” para cá e para lá ocorre tanto nos afagos quanto nos destemperos. Por mais incrível que pareça, chego a vibrar, quando os parlamentares de caráter impulsivo e os sonsos intelectuais, abandonando o velho costume de ler laudas e mais laudas de uma trama urdida por terceiros, sobem a tribuna para falar de improviso, com as mãos livres para os mais extravagantes gestos teatrais.

Tem aqueles imprudentes que, por exagerarem tanto na sua simplicidade fabricada, provocam risos em seus pares. Tem aqueles que levantam as mãos para os céus e, tomados pelo espírito exprimem-se através de vozes dissonantes ou línguas estranhas, como se estivessem engolindo pastel sem previamente mastigá-lo. Tem uns que sem convicções próprias, através do jargão “questão de ordem presidente!” são persuadidos a voltar à tribuna para brilhantemente se desdizer do que tinham minutos antes ardorosamente defendido. Tem aquele que sobe sóbrio à Tribuna com a cara de quem não tem a menor dúvida de que é um gênio ─ exprimindo uma “certeza” que jamais consigo mesmo um dia chegou a conjecturar. Tem os mais dotados (ou mais espertos) que consumidos pelo desejo de ser o mais original, chegam em seus arroubos patrióticos a exalar honestidade, justiça e verdade. Tem aqueles que por não terem nascidos na roda da fortuna, de uma forma compensatória, apregoam que tiveram berço pobre e, por pertencer a uma família honrada, sem beira nem eira, foram jogados no limbo da indiferença. Tem o imediatista ou oportunista que na ânsia de se agarrar a sua prazerosa vantagem particular ignora tudo que é regra ou norma, sem se importar com as consequências do mal que está provocando à sua volta. Tem aquele idealista de ocasião que está sempre a se derramar em queixas, nominando os culpados, pelas crises do dia a dia. Esse, imita o personagem bíblico Jeremias que, por destilar diuturnas lamúrias e ressentimentos contra o seu povo atolado em uma situação de cruel decadência, foi denominadoo profeta das lamentações”.

No Palácio do Congresso Nacional local destinado a se legislar com justiça e sobriedade ―, paradoxalmente, a locução “Vossa Excelência” (que embute auto grau de respeito), tanto pode vir acompanhada de elogios e palavras bondosas, quanto dos mais torpes termos, como: mentiroso, capanga, corrupto, usurpador, pau mandando, etc. É nesse recinto, que o aparentemente puro e sublime aparece ao lado do lixo familiar.
Vossa Excelência extrapolou seu tempo!” grita o presidente da mesa, lá do alto de seu trono. 
Responde o parlamentar que da tribuna, de forma lenta e truncada, pedia socorro para seu Estado, segundo ele, vítima da maior seca dos últimos cem anos: 
Vossa Excelência está sendo injusto e parcial não dando o tempo que me é devido para expor questões que requerem medidas urgentes do Governo!”.
“Vossa excelência acaba, de forma indireta, de me chamar de mentiroso! Me respeite, eu trato todos aqui de forma igual, e não sou seu capanga para ser tratado dessa forma!” dispara o presidente da Casa, com voz artificialmente irada. Alguns da plateia, chegam a atiçar a briga, mas o grupo do abafa faz sinal para que os dois atores participantes encerrem o ato de uma comédia re-esquentada. Como se sabe, lá fora, tudo termina em risos, abraços e convites para “comes e bebes” madrugada adentro.

Nem tudo é confusão no grande teatro do Congresso. Não podemos deixar passar em branco ou negar as peças de grandiloquência que beiram a perfeição   àquelas exaustivamente ensaiadas com o intuito de serem trocadas entre parlamentares amigos da mesma base parlamentar, na forma de antológicos apartes:

 ―“Vossa excelência me concede um aparte?” acena o senador, remexendo-se em sua confortável cadeira.Com a maior honra, venerado amigo responde o aparteado todo orgulhoso lá da tribuna. “Vossa Excelência fique certo de que acaba de descrever uma de suas mais belas ações. Confesso que entre as inumeráveis e decerto contagiantes falas que tive a oportunidade de ouvir nesta honrada casa, jamais vi fluir tanta grandeza de espírito em defesa do tão sofrido povo do nordeste. Sou testemunha cabal de que Vossa Excelência passou ao largo do mercantilismo exalado por alguns, ao fazer de toda sua vida um sacerdócio em defesa dos despossuídos conclui elegantemente o aparteador, cumprindo o trato do “eu te elogio/tu me elogias”, previamente acertado entre eles.

Aqui, em toda sua espetacular grandeza, o pecador e o santo trocam de lado constantemente. Aqui, os santos profissionais sob o pretexto de defender o povo, perdem-se em bizarras e egoísticas reparações. Como crianças, flagradas pelos pais, fazendo o malfeito, partem para a NEGAÇÃO defensiva temendo sofrer o castigo. São muitas as desculpas esfarrapadas, tipo: “Não sou como eles, sou melhor!” “Nunca me desviei da verdade!”. “Sou inocente, eu não sabia!”. “Sou um exemplo a ser seguido!”. E por aí vai.

Penso cá comigo, que o leitor(a) eleitor(a) ganharia mais se pudesse trocar sua novela do horário nobre da noite, pelo drama burlesco, mais íntimo e educativo das TVs Senado e Câmara, patrocinada pela nossa “Pátria Educadora - Mãe Gentil”. O expectador, assim o fazendo, sairia, de uma visão ilusória do real para a fantástica realidade nossa de cada dia. Mesmo que parecesse um sonho aterrador, um pesadelo, ou uma loucura, o ouvinte, na troca de seu canal predileto, iria ter a grande vantagem de experimentar o cômico trágico atormentadoramente real e angustiosamente verdadeiro na pele de nossos representantes, a reverberar em nós. Dizemos: “Que coisa feia, as excelências se xingando, brigando, falando mau do colega, etc”, sem saber que a nossa estranheza se deve mais ao fato de racionalizar que isso não é coisa para ser exposta publicamente. Na verdade, eis o que lá no fundo tencionamos dizer: “temos ética, pois no nosso padrão de comportamento familiar, essas coisas, só são ditas baixinho em casa, sem ninguém estranho por perto a escutar”.

Dou a mão à palmatória: não é fácil a vida de nossos representantes. Eles correm perigo a toda hora, voando semanalmente de seus Estados para Brasília, e vice-versa, sem contar as horas angustiadas que passam presos em aeroportos deste vasto mundão brasileiro, para legislar em nosso favor. E não venham me dizer que eles não são o espelho que, nas altas esferas, estão a refletir toda a gama de nossos mais paradoxais afetos! O apóstolo Saulo de Tarso, fundador do cristianismo, em sua carta dirigida aos Romanos deixou registrada a célebre constatação: “Quando faço o BEM o MAL está comigo”. Pergunto eu, agora, ao leitor: Como seres humanos forjados no caldo cultural comum a todos, somos ou não somos a imagem e semelhança de Nossas Excelências?

Reprovações a mim dirigidas em uma das noites de insônia, levaram-me a refletir sobre o “por quê” do baixo índice de audiência dos canais que transmitem as sessões do Congresso Nacional, de terça a quinta feira:

― “Puxa, você está assistindo essa porcaria de canal!” ─ disparou uma pessoa do meu convívio. Como você suporta ver essa podridão?!” ─ concluiu, e saiu apressado da sala onde no sofá eu estava bem acomodado assistindo a TV Senado pulando de vez em quando para a TV Câmara e vice-versa.

Que sentido metafórico eu poderia colher das palavras porcaria” e “podridão sacudidas instantaneamente na minha cara? Lembrei-me vagamente do desafio feito por Erasmo, em “O Elogio da Loucura”: “Remova a parcialidade louca de cada homem por si próprio, e ele federá nas suas próprias narinas!”. Meu amigo demonstrara irritação ao considerar nojeira o que eu estava a assistir pela televisão naquele momento. É a tal coisa: caímos numa espécie de auto-engano ao pensar que o mal cheiro é sempre o excremento do outro.

Desliguei a televisão e, depois de pensar e muito refletir, saí triste para conciliar o sono em meu quarto. As vísceras da sociedade desse vilipendiado país que estavam ali sendo expostas em toda sua crueza na TV, provocaram asco em meu parente e fizeram revolver as minhas próprias entranhas, sob a forma de cólicas e náuseas.

Antes de cair no sono, veio a minha mente a expressão atribuída a , personagem bíblico que se tornou paradigma dos nossos afetos tão humanamente paradoxais:

De sorte que o homem se consome como uma coisa podre” [Jó 13: 28]



  Por Levi B. Santos
Guarabira, 26 de novembro de 2015

Um comentário:

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Se um cidadao comum pudesse subir naquela tribuna, teria enormes dificuldades para dar o honroso tratamento os Exmos. Srs. Parlamentares que nos representam formalmente. Um brasileiro revoltado e que nao se deixasse constranger pelo ambiente, sendo ele minoria no meio da bandidagem politica, certamente abriria o verbo em insultos, palavroes e termos injuriosos, o que seria outra teatralizacao emocional. Mas, de fato, eles sao a cara do povo. Fomos nos quem o colocamos la, quer tenhamos servido de cabos eleitorais ou mero votantes. Muitos do povo, se la estivesse, participaria do mesmo circo. Talvez, devido ao desgaste gerado pelo tempo e pela insatisfacao popular, precisam rever a maneira de se expressarem.