31 maio 2011

A Criança e a Máquina de Costura



Françoise Dolto, psicanalista francesa – discípula de Lacan –, dedicou toda a sua vida em tornar a sua experiência de análise com crianças, em algo vivo, que pudesse ser transmitido sem a complexidade da terminologia científica. Ela praticamente viveu toda a sua vida ao lado de crianças e mães angustiadas. Em suas inúmeras conferências sempre estava a dizer: “tudo é linguagem”, se valendo da primazia da palavra e sua incidência na simbolicidade relacional presente no ser humano em formação. No dizer de Gérard Guillerault, psicanalista membro da escola Freudiana de Paris, “ela ia fundo, procurando na aliança intrínseca do corpo com a linguagem, a forma como o verbo se faz carne, como a carne se faz, para o sujeito, portadora do verbo.”

Entre os inúmeros e emblemáticos casos que passaram por seu consultório, achei interessante trazer, resumidamente, a história de uma criança compulsiva, que eu mesmo rotulei de “A Criança e a Máquina de Costura”.

Dizia a mãe: “a minha criança é bem boazinha, não dá nenhum trabalho”.

A criança de início ficava em um berço, depois em uma cadeira, mas sempre ao lado da mãe a trabalhar em sua máquina de costura. A sua genitora tecia coletes que eram entregues a uma manufatura para a qual trabalhava o dia inteiro.

O menino não chegou a conhecer seu pai, mas tinha na máquina de costura o substitutivo dele. O senhor da mãe — a máquina de costura —, era o provedor que lhe fornecia a sobrevivência. Assim narrou, Françoise, poeticamente: “o pé da mãe no pedal, num vai-vem para cima e para baixo, forjou nele a mania de repetição, o ruído da máquina era a trilha sonora de seu devaneio amoroso, antes da escola. Mas mesmo antes de ir à escola, ele acendia o fogão à gás, punha a mesa, punha a panela de sopa no fogo e ia buscar o pão. Depois, quando terminava o seu trabalho doméstico, sentava em sua poltroninha para contemplar a sua mãe trabalhando, e olhava os coletes se acumulando sob a máquina de costura de pedal. De quando em quando, sua mãe olhava para ele e trocavam sorrisos. E, como um gato, ele ia beijá-la, depois voltava para o seu lugar. Assim era a vida desses dois seres até o momento em que a mãe o pôs na escola”.

“Na escola, ele se comportou de forma completamente fóbica. Ele se enfiava debaixo da saia da mãe, chorava, não queria ir para a escola. A professora foi compreensiva, gentil, e ele ia se esconder na saia da professora. Ele via na saia da professora a saia da mãe e só. Quando o nosso relógio de pulso pára, nós o sacudimos no intuito de fazê-lo funcionar. Assim os seus coleguinhas o sacudiam, para que ele vivesse, e, como fazemos nós, adultos, eles o cutucavam para ver se o mesmo reagia. Como a mãe queria, ele ia à escola, mas se apagava completamente, não sabia dirigir a fala, só tinha aprendido a escutar. Segundo a direção da escola, o menino era um ‘retardado mental’”.

Ele aprendera da máquina de costura como se portar, e se comportava compulsivamente – menininho “indo-advindo”. A máquina, em seu movimento “ambivalente”, dava suporte à sua função simbólica de virilização.

Na escola, tinha a "tia" que substituía sua mãe, mas faltava-lhe a máquina de costura com quem se identificava.

APÓS ALGUNS ANOS

A mãe berra:

“Que é isso, como você pode fazer as lições com essa barulheira?”

Os fones de ouvidos eram a única solução para não importunar a mãe. Só ele podia, agora, ouvir a sua música preferida, de refrãos exaustivamente repetitivos, enquanto estudava as lições. De vez em quando, com os fones acoplados aos ouvidos, parecia ouvir o barulho da velha máquina de costura de sua mãe.

P.S.:

Narrativa (com adaptações) de um caso real, retirado do livro “Tudo é Linguagem”Françoise Dolto − Editora Martins Fontes.

Imagem: cantodecontarcontos.blogspot.com


Por Levi B. Santos

Guarabira, 31 de maio de 2011

3 comentários:

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Amigo Levi! Como vai?

Fico pensando em como a humanidade avançaria se pais, professores e gande parte das pessoas envolvidas com as crianças pudessem buscar compreender a linguagem que vai além das palavras pronunciadas! Cada comportamento e tipo de expressão que fazemos tem seu significado. Mas fazer uma leitura destas ainda não está no alcance do homem comum embora eu tenha o palpite de que, até entre os terapeutas e estudiosos da mente humana, existem divergências.

Abração.

Radialista Paulino Filho disse...

Ao Amigo! Um Belissimo Trabalho. Parabéns

Raquel Moreira disse...

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