07 dezembro 2014

O Compulsivo e o Obsessivo em Nós




“Se sinto as raízes indago: por que não as vejo?/Esse legado de herança que invade os meus sonhos/São sonhos que se nutrem do meu passado opaco”. [Levi  B. Santos]



Diz-se que a Psicanálise é irmã gêmea da Arqueologia. Essas duas instâncias realmente têm muito em comum: elas se ocupam em investigar o que se encontra escondido nas profundezas, não se interessando tanto pelo que existe na superfície. Para esses arqueólogos, como acontece com o iceberg, a superfície deixa à mostra apenas a ponta de algo extremamente maior que se encontra submerso.

Na verdade, o trabalho do arqueólogo, de forma metafórica, se compara muito ao trabalho do psicanalista. Tanto o arqueólogo quanto o analista são escavadores que, incessantemente, anseiam descobrir um rico tesouro enterrado no subsolo. Seus objetivos são idênticos: trazer à luz do dia àquilo, o desconhecido, que reside nas profundezas das trevas geológicas e psíquicas.

Para Freud, os alicerces falhos e incompletos da infância do indivíduo devem ser resgatados de sua latência. Muitas marcas do irracional que hoje influenciam o agir e o pensar do homem moderno têm no subsolo da psique a sua origem. O pensamento de Freud abalou a certeza cartesiana, ao fazer ver que nada evolui da superfície do solo, senão daquilo que está nele enterrado.  

É do lugar mais profundo de nossa estrutura psíquica que surgem as pulsões ou desejos inconscientes de retorno a um estado primitivo. De certa forma temos todos um certo grau de compulsão ou uma tendência a repetir as primeiras experiências, sem saber que na miragem de nosso ideal estão encarnados os desejos fantasiosos da criança que se foi — um baú de histórias vivenciadas de amor e ódio.

O velho ditado muito conhecido que diz — “De médico e louco todos nós temos um pouco” —, pode perfeitamente ser aplicado ao nosso âmbito psicológico. Parafraseando esse significativo adágio, poderíamos dizer: “De compulsivo e obsessivo, todos nós temos um pouco”. O que varia nesse caso é a graduação desses sintomas: o excesso deles é que provocaria o quadro patológico denominado T.O.C. (Transtorno obsessivo-compulsivo)

No nosso dia a dia quem nunca experimentou as chamadas pequenas obsessões, sob a forma de pensamentos repetitivos, dúvidas persistentes, uma música que se cantarola quase involuntariamente por alguns dias, uma viagem que sempre pensamos em fazer e nunca a efetuamos?

Quer queiramos ou não, somos colecionadores de lembranças e recalques. Impulsionados por um discreto grau de obsessão classificamos, separamos, etiquetamos e guardamos reminiscências ou coisas sem notar que por trás desse trabalho todo, em sua mediação, se insere algo parecido com um ritual compulsivo.

A confirmação da ocorrência de desejos obsessivos e compulsivos em nosso recinto psíquico está implícita na afirmação corriqueira que sai da boca de nossos ancestrais: “Ele foi sempre assim, desde criancinha!”.

Esse homem de chumbo, frio e já desvanecido fisicamente, nunca vai deixar de ser reflexo do menino que um dia foi. Quando ele rir triunfante, ou quando fica triste e melancólico o que se vê é a criança de tempos atrás. A sua sentença é viver entre espasmos de retração e abertura. Tal qual um molusco ele, involuntariamente, deixa aparecer e desaparecer a sua parte frágil sepultada sob a carapaça endurecida e esmaecida pelo tempo.

Abram-se os arquivos arqueológicos presentes em nosso ego primitivo e lá encontrarão, com certeza, doses de desejos obsessivos e ritos compulsivos.
 Sobre esses arquivos subterrâneos produtores de diversos sentimentos recorrentes, entre eles o nostálgico, o escritor e psicanalista Rubem Alves, em seu livro — “Retorno e Terno”— assim, se expressou:

 “Enquanto depender de mim, os campos ficarão lá. Enquanto depender de mim os cerrados ficarão lá. Porque tenho medo de que, se eles forem destruídos, a minha alma também o será”.


Por Levi B. Santos

Guarabira, 06 de dezembro de 2014


Site da Imagem: leituraescrita.com.br

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