01 dezembro 2010

ESSE FILME EU JÁ VI ANTES


Não nego, quando vi a nossa bandeira tremulando lá na parte mais alta do morro do Alemão, a minha alma ufanista gritou mais alto. Senti-me nos meus 16 anos de idade, desfilando garbosamente no dia 7 de Setembro na praça de minha cidade natal, diante do pendão auriverde de nossa pátria mãe gentil.

Saudosos tempos em que acreditava tenazmente no que diziam os meus livros de História do Brasil. Aquele famoso quadro da independência pintado de encomenda por Pedro Américo, que mostrava D. Pedro I em um fogoso alazão, hoje, eu sei que foi tudo invenção da mídia do passado.

Laurentino Gomes, debruçando-se sobre a nossa História, pesquisou em várias bibliotecas, inclusive nas de Além mar (Portugal), e descreveu em seu recente livro “1822”, pormenores por nós, ufanistas, até então desconhecidos. A história do Grito do Ipiranga não foi àquela história dourada que nos contaram os professores de quarenta anos atrás.

Conta Laurentino, em seu best-seller, que D Pedro I, tinha ingerido alimento mal conservado no dia anterior, ao da independência do Brasil. Na sua caminhada do Rio de Janeiro a São Paulo, desceu de sua mula baia várias vezes à beira da estrada, para realizar suas evacuações. Acredita-se que, já pálido e desidratado, o fraco grito que deu, não foi o de “independência ou morte!”, mas sim o grito de dor provocado pelas fortes cólicas intestinais. Provavelmente, de cuecas e de cócoras, ele pediu ao seu assessor imediato que avisasse à guarda de honra que o seu governo estava separado de Portugal.

Mas o falso quadro pintado por Pedro Américo emocionou a muitos do meu tempo. O leitor, talvez queira perguntar: “O que tem isso a ver com a tomada do Complexo do Alemão no Rio de Janeiro?”

Tem tudo a ver, meu caro leitor. O belo e imponente quadro pintado por Pedro Américo está sendo revisitado e mostrado com auras de patriotismo, igual as estripulias que meus inocentes professores de História me faziam imaginar. O "espetacular" quadro de Pedro Américo, retratando a independência, hoje, está sendo substituído pela Telinha de TV, no horário nobre. No lugar das peripécias do nosso primeiro imperador, ele mostra o nosso heróico Exército, a nossa heróica e briosa Aeronáutica, a nossa saudosa e temida Marinha subindo os caminhos íngremes do morro do Alemão. Não importa que as nossas fronteiras estejam desguarnecidas, não importa que os nossos portos estejam em penúria, não importa que os nossos aeroportos estejam operando sem condições mínimas de conforto e segurança. O que importa é o imaginário, o que importa é reviver a fantasia e a utopia do nosso tempo de adolescente, quando iludidos, marchávamos em homenagem ao grande feito de D. Pedro I. Hoje, danem-se fronteiras desguarnecidas ou sem policiamento, o que importa é assistir pela TV, numa confortável poltrona, logo após o jantar, as nossas Forças Armadas e amadas consumirem os impostos que pagamos com o suor de nosso rosto, para mostrar ao mundo que o poder paralelo do narco-tráfico, pelo menos por alguns dias, sofreu um “pequeno-grande” abalo.

Para ativar a memória do leitor, esse filme já foi visto: Na conferência Mundial sobre o meio ambiente, a “RIO – 92”, quando as Forças Armadas foram usadas contra traficantes; em 1994 quando o Exército e fuzileiros navais ocuparam morros e favelas na Operação Rio; em 1997, quando 900 homens do Exército participaram de uma mega-operação para recuperar fuzis roubados.

E os nobres da platéia, continuam “deitados em berço esplêndido”, rindo da nossa cara — como diz o nosso emblemático e espetaculoso hino.

Provavelmente, muitos dos nobres que estão lutando contra o narco-tráfico, estarão, logo mais, no belíssimo espetáculo de queima de fogos do final de ano na orla marítima do Rio, sem nem se aperceberem que a droga por lá rola solta.

Uma pergunta que não quer calar:

“Por que o Brasil, segundo a ONU, é o quarto maior país consumidor de drogas do mundo???


Crônica por Levi B. Santos

Guarabira, 01 de dezembro de 2010

11 comentários:

Esdras Gregório disse...

Você esta a falar de propaganda religiosa e educação governamental, ou educação religiosa e propaganda governamental, coisa da qual a bíblia esta plena, pois suas sagas, seus heróis, suas moral da historia, suas advertências de castigo etc foram escritos com o fim de estimular as gerações de jovens ao patriotismo e temor religioso.

A bíblias hebraica passou por varias edições e seus redatores foram homens visionários que passaram um verniz brilhante nos fatos históricos tornando os mais poderosos meios de propaganda religiosa para a educação de um povo... chega que eu já estou adiantando o próximo post que eu estou a escrever, e seu texto veio a me ajudar muito.

Edson Moura disse...

Levi, só você mesmo para me fazer entristecer como nosso Brasil varonil.

O pior de tudo isso meu mestre, é que sabemos muito bem o porquê de se estar atacando os "pobres traficantes" do complexo do alemão, a saber, Copa do Mundo de 2014.

Bom, mas já que também sabemos que não foi o Cabral quem descobriu o Brasil, que nosso gramática está mudando novamente, não estranharei se em breve recebermos a notícia de que Tiradentes era na verdade um açolgueiro.

O medo que me toma é de que os traficantes lá do morro não resolvam fazer a mesma coisa que os traficantes do México, onde eles ameaçaram matar uma pessoa para cada tonelada de maconha apreendida.

Abraços!

Eduardo Medeiros disse...

agora vou ter que discordar de você Levi; como é que você fala assim da minha briosa marinha de guerra, força altiva na qual servi 20 anos??????

rsssss tá bom, tá bom, não dá para descontruir sua crítica pois ela faz muito sentido. o 'lado b" você já mostrou, vou dar minha opinião sobre "o lado a"

essa operação é dirente de todas as outras pois esta foi organizada já há algum tempo e foi precipitada exatamente pelos atos terroristas dos traficantes que estão levando muito prejuízo com a queda da venda de drogas nas comunidades "pacificadas" pelas upps (unidade de polícia pacificadora), que se não é perfeito, é de longe a melhor política de segurança em relação ao tráfico que o rio já teve.

na época do saudoso brizola, polícia não podia entrar em favela e o coméricio subiu como nunca. brizola é um dos responsáveis pelo estado em que chegou o rio com territórios dominados por um poder paralelo com tentáculos em vários níveis inclusive no político.

volto a repetir, não estou falando que sua análise crítica está errada, está perfeita, pois o teor político da operação é flagrante.

mas há um diferencial:

o apoio quase irrestrito da população do complexo do alemão (mas com algumas pessoas denunciando abusos dos policiais ao revistarem as casas) é algo inédito em operações como essa.

durante muito tempo a política de combate às drogas era como enxugar gelo: a polícia entrava na favela, trocava tiros com os bandidos, matava alguns e ia embora.

ou seja, uma política fadada ao fracasso. o atual governo do rio, com todas as suas limitações, vem com uma visão diferenciada: o estado entra na comunidade, expulsa o tráfico (é claro que é preciso saber para onde os traficantes estão migrando) e implantam um batalhão no local, as chamadas upps. após isso, o estado entra com ações sociais.

na teoria é um bom plano, muito melhor do que as políticas anteriores.

mas não deixa de ter suas falhas.

Eduardo Medeiros disse...

e as falhas são exatamente essas que você apontou no seu lúcido texto. as fronteiras estão desguarnecidas, a polícia carioca (e brasileira) ainda tem uma mentalidade do tempo da ditadura "prendo e arrebento" (não importa se é trabalhador com cara de bandido ou bandido com cara de bandido. como se bandido tivesse cara...), falta ética, cidadania e preparo psicológico para a maioria dos polícias.

isso sem falar no alto grau de corrupção que há na polícia, os esquemas, as extorções, as milícias(formadas por políciais e que na prática são bandidos fardados), o aumento da venda de drogas no varejo (até pelo telefone), e etc.

pois é, levi, a bandeira brasileira tremulou onde antes era o guartel general de maior facção criminosa aqui do rio e o que deixou o povo feliz e esperançoso foi ver que eles diante do poderio dos tanques de guerra da marinha e das demais forças atuando em conjunto, puseram as armas entre as pernas e correram.

a promessa do governo é que a ocupação pelos militares ficará até que uma upp seja inaugurada no complexo do alemão.

a próxima missão (ao que parece) deverá ser na maior favela das américas, a rocinha.

mas é uma pena que a "meta-história' é sempre romanceada pelos mitos forjados pela política e muitas vezes no fim da história real, nossos heróis morrem de overdose.

Levi B. Santos disse...

Edu, velho marinheiro dos bons tempos (rsrsrs)

A ingerência política está se imiscuindo em todos os setores. Na minha área — a Medicina,— inventaram os “mutirões de saúde” realizados no meio das feiras, que são uma vergonha nacional, e atestam a falência do SUS.

Para se ter uma ideia, no meu setor, cada colposcopia que faço é renumerada em R$ 3,15 ( três reais e 15 centavos), isto porque esse exame é imprescindível na prevenção do câncer de colo de útero ( segunda maior causa de morte por câncer em mulheres).
Por aí, você pode ver que nesse país, não existe seriedade no trato da coisa pública.

Médicos, Marinheiros, Soldados do Exército e outros tantos profissionais são vítimas de um sistema pérfido de “política de controle do isso, do aquilo”, que não sai do papel.

Desculpe-me se carreguei muito nas tintas no texto por mim digitado sob forte indignação ou se fui muito radical (rsrs), mas não entra na minha cachola que tropas das forças armadas tenham que se sujeitar à disputas políticas, principalmente quando se pretende utilizá-las como espantalhos de bandidos nas esquinas das cidades.

Entendo que as nossas forças armadas não deviam se prestar a esse deboche. Os militares que já sofrem a falta de recursos não deveriam ser utilizados como massa de manobra política nos momentos eleitorais ou para dar satisfações eventuais em alguns momentos de crise do modelo de gerenciamento político.

O Brasil é o quarto país do mundo em consumo de drogas. Com esse tipo de operação, o que pode ocorrer é o encarecimento da droga, para satisfação dos cartéis.
Mas a essa altura, muita gente antes avisada, deve ter se abastecido muito bem para as comemorações do final de ano, no mesmo Rio, ou melhor: do outro lado imponente e indevassável da “cidade maravilhosa”.

O Edson, em seu comentário, levantou uma questão que não podemos deixar de nos debruçar sobre ela:

“O pior de tudo isso, é que sabemos muito bem o porquê de se estar atacando os "pobres traficantes" do complexo do alemão, a saber, Copa do Mundo de 2014”.(Edson)

Abraços, de quem também é uma vítima do sistema (rsrs)


Levi B. Santos

Levi B. Santos disse...

GRESDER

"Os primeiros serão os últimos" (rsss)

Bem, sobre a relação entre o texto que postei e a educação religiosa a que você se refere, melhor será que eu aguarde a sua postagem, para depois comentar com mais propriedade.

Abçs

Levi B. Santos disse...

Uma entrevista do antropólogo Luiz Eduardo Soares (Coordenador de Segurança, Justiça e Cidadania do Rio no período 1999/2000 e 2003) concedida à Folha de São Paulo (de 02/12 – ontem), que me chegou às mãos hoje, vem esclarecer com mais profundidade o âmago de todo esse processo.

Diz ele, na entrevista:

“Enxergo uma grande ilusão na oposição entre o ‘bem’(os policiais) e o ‘mal’ (os traficantes), pregada pelo poder público. Há outros criminosos além deles, e, esses traficantes o são com o apoio dos que deveriam cumprir a lei. A economia do crime (o tráfico) gera negociações varejistas em momentos de confrontos. [...] as autoridades sabem disso, mas fingem que não vêem. Veja que situação absurda: o Estado está com um pé na legalidade e um pé na ilegalidade”.

Assim falou Luiz Eduardo, respondendo à pergunta do repórter - sobre se a cobertura da mídia brasileira cobria a realidade com um véu ilusório:

“Esse MAL (utópico) só existe até esse momento porque foi alimentado por ‘isso’ que chamamos BEM. E se agora esse ‘mal’ é afastado, esse ‘bem’ que é parte do ‘mal’ parece triunfante. [...].
Vamos nos surpreender sendo apunhalados pelas costas, por que parte dos heróis de hoje são os que estão no conduzindo a insegurança, levando armas e drogas para as favelas“ — concluiu dessa forma, o antropólogo, a sua lúcida entrevista.


P.S.: A entrevista completa está no caderno “Cotidiano” – página 4 (Folha de São Paulo - de 02 de dezembro de 2010).
Vale uma conferida.

Edson Moura disse...

Caramba Leví, adorei a declaração do antropólogo à folha. De fato, é bem por aí mesmo que caminhamos.

Guiomar Barba disse...

Levi, apesar da esperança do carioca e de muitos brasileiros, eu fico na emoção medrosa; contemplando a nossa bandeira "tremular" no alto do Alemão e tremo junto com ela.

Sei que o governo poderia, se houvesse boa vontade não ter permitido chegar aonde chegamos. Agora o governador do Rio "pensa" que é o cara, enquanto nós sabemos que em algum esconderijo esses bandidos devem estar estudando meios de fortalecerem-se novamente e ainda mais contando com a corrupção de poderosos, além de policiais corruptos, verdadeiros bandidos como vimos pelos jornais o que fizeram com os moradores que já começavam a cantar vitória.

Não estou iludida Levi. Estou com o coração suspenso, pensando, se esses bandidos voltam a essas vavelas, o que seria a vingança sobre os moradores que começaram a respirar? Resta-nos a esperança, ainda que tênue.
Trabalhei com bandidos e encontrei em muitos deles, um coração melhor que os de tantos policiais.

Faço o que creio: Oro e peço a Deus que tenha misericórdia.

Eduardo Medeiros disse...

não convenci mesmo,né???? rssss se eu mesmo não estou convencido...rss

sem dúvida alguma, o teor político é a grande motivação de tudo isso. concordo com todas as críticas, inclusive do eduardo soares do qual tenho lido alguns artigos.

mas eu queria me pôr na pele de quem vive num lugar onde da sua janela ela assiste todos os dias verdadeiras cenas de faroeste.

eu estou pensando nas pessoas que poderão ter um pouco mais de tranquilidade com o fim do tráfico em sua comunidade.

as forças armadas só estão nessa devido à falência da polícia que não tem mais poder de cumprir o seu papel. não vejo isso como humilhação para os militares. aliás, a presença dos militares de certa forma permite que a operação seja mais bem aceita pela população já que ela não confia na polícia.

é levi, sei bem os problemas que envolvem toda a questão. sei lá, eu devo ser um otimista que quer sempre ver o lado bom da questão mesmo quando esse lado teima em ser tão volátil.

Levi B. Santos disse...

EDUARDO

A vitória do meu Fluminense (Campeão do Brasileirão 2010) hoje, deve ter apaziguado, os torcedores do lado "A" e os do lado "B".(rsrs)

"Cordeiros" e "lobos" - todos com camisas tricolores estão vivendo, por enquanto, um "milênio" de confraternização. (rsrs)