10 outubro 2009

A DOCE TENTAÇÃO DOS OBESOS




Uma reportagem sobre os efeitos deletérios do açúcar em nosso organismo, veiculada na revista VEJA de 23 se setembro passado, levou-me a refletir sobre essa adorável e doce substância que vem escravizando gerações e mais gerações, desde os tempos de nossa colonização.

Sabemos que os altos níveis da glicose no sangue são responsáveis diretos pela diabetes, obesidade, cegueira, ataques cardíacos e outras moléstias degenerativas. O Brasil,
maior produtor e exportador de açúcar, está entre os maiores consumidores. O açúcar faz parte de nossa cultura, da nossa história recente de escravidão nos canaviais dos velhos senhores de engenhos.

Entre nós, parece ser quase impossível se livrar desse vilão, que é o principal componente dos grandes banquetes, aniversários, casamentos, festas, congressos e todo tipo de comemoração.

Esse vilão é muito conhecido dos gordinhos, dos que estão acima do peso ideal, daqueles que apesar de saberem que não devem se empanturrar das guloseimas açucaradas, não resistem aos coloridos e apetitosos docinhos, nem aos dourados salgadinhos e deliciosas tortas.

Aqui em casa, nos últimos trinta dias, nunca vi tanta festa em minha vida. Foram seis aniversários, uma comemoração de bodas de casamento, afora um congresso evangélico de dez dias de comilanças. As porções diabolicamente generosas de açúcares reinaram de maneira absoluta entre nós.

Foi numa dessas festividades, com todos ao redor de uma mesa repleta de iguarias se preparando para “dar graças a Deus” pela comida a base de massas, que resolvi fazer uma das minhas ironias. Dirigi-me a plateia de um modo humorado, interrompendo o rito prévio da glutonaria que estava prestes a se iniciar:

Êpaaaaaa! Pára tudo, pára tudo! A oração que vocês vão fazer é uma blasfêmia!

Notei que ninguém tinha levado a sério a minha interpelação, pois ficaram rindo uns para os outros. O irmão bem gordinho que iria elevar a Deus em oração, estava ali perplexo com a sua Bíblia aberta entre as mãos, possivelmente em alguma passagem daquelas que falam em banquetes regados a vinho. Muitos ansiosos e com respiração arfante, não tiravam os olhos das Coca–Colas e Fantas bem geladinhas, que estavam enfileiradas no meio dos diversos tipos de tentadoras guloseimas.

Um senhor aparentando estar com excesso de peso, foi imediatamente me exortando:

─ Rapaz, deixa a brincadeira para depois! Nós vamos nos dirigir a Deus agradecendo pela comida, para que Ele venha abençoar o alimento, e o mesmo não venha nos causar mal!

Dei uma rápida olhada para os convidados famintos, e pude observar que 70% da plateia era formada por gordinhos e gordinhas, o que me deu mais força para continuar com os meus argumentos, numa tentativa de ser compreendido em minhas conjecturas.

─ Olha, eu acho que essa oração deveria ficar para depois do banquete – falei com um ar sério.

─ 'Peraí', você quer contrariar um rito sagrado meu irmão?. Isso é um pecado grave que você está cometendo, cuidado com a mão de Deus? - gritou o gordo de Biblia nas mãos.

A essa altura o burburinho aumentava, e eu resolvi resumir todo o meu pensamento numa indagação:

─ Quanto de vocês aqui reconhecem que estão em pecado, isto é, com excesso de peso?

Alguns responderam de imediato:

─ É claro que ninguém aqui está com o peso ideal. E o que isso tem a ver com a interrupção da oração que você quer fazer?

─ Vou procurar ser bem claro ─ falei para a plateia de ávidos irmãos. ─ Não seria mais plausível que fizéssemos uma oração no final do banquete, pedindo perdão a Deus pelos excessos cometidos contra o nosso próprio organismo?

─ Qual a razão dessa oração ser no final de tudo? ─ perguntou o irmão mais graduado (espiritualmente falando).

Meus queridos irmãos, quem de vocês que está acima do peso ideal, tem certeza que se encontra com a sua taxa de açúcar e colesterol dentro da normalidade? ─ perguntei incisivamente, olhando para a cara dos mais gordos.

Repentinamente, um senhor já de idade avançada, com uma enorme e proeminente barriga saindo pelas brechas do paletó, saiu em meu socorro, dizendo:

─ O argumento do moço aqui, tem fundamento. Como é que a gente com o nosso sangue já grosso de açúcar e gordura consegue orar dando graças a Deus por algo que vai nos encher ainda mais de doce e manteiga? Se assim o fizermos, estaremos cometendo excessos e, consequentemente, pecando contra o nosso próprio corpo. O senhor aqui do meu lado tem razão, seria um contra-senso fazermos uma oração de ação de graças para em seguida pecar!

─ Bem meu amigo, já que você ficou do lado do senhor que interrompeu a nossa oração de praxe, nos diga como seria essa prece no final dos “comes-e-bebes”? ─ falou indignado, o gordo que estava com a Bíblia aberta entre as mãos.

─ Eu vou ser sincero - disse o insurgente em tom de desafio. A meu ver, essa oração deveria ser feita no final da comilança, da seguinte forma:


“Senhor meu Deus, Tu sabes e eu também sei, que estou gordo e pesadão, e que as minhas taxas de gorduras e açúcares estão em níveis acima dos índices da normalidade. Tu sabes também ó Senhor, que sou fraco e vendido ao pecado. Na pessoa do Teu Filho que um dia disse: ‘o espírito está pronto, mas a carne é fraca’, eu Te peço: perdoa-me por este pecado de aqui nessa lauta mesa ter me intoxicado, ao não resistir à volúpia dos olhos e do paladar. Prometo que nos próximos meses farei tudo para não comparecer a esses tipos de congressos e comemorações que sempre terminam ao redor de uma mesa cheia de iguarias que estimulam o pecado da gula, que nos levam mais tarde a sofrer conseqüências maléficas em nossos próprios corpos. Que eu possa ó Senhor, um dia ter forças para dizer com todo vigor: estejam repreendidos em minha mesa os espíritos maus dos sorvetes, dos chocolates, dos bolos, dos refrigerantes, e tudo que contenha em excesso esse vil alimento, que incha, amolece e seduz o nosso corpo!”.

De nada adiantou o modelo da inspirada oração do meu defensor, pois o gordo que estava de bíblia na mão, leu com toda impetuosidade a passagem que estava previamente marcada em Eclesiastes 8: 15, que assim diz: Por isso recomendo que se desfrute a vida,
porque debaixo do sol não há nada melhor para o homem, que comer, beber e alegrar-se[...]”

Terminada a leitura da palavra, todos avançaram freneticamente sobre as guloseimas que estavam sobre a mesa, devorando tudo em questão de segundos.

Logo após o final do “frenesi” gastronômico, ainda deu para ouvir um dos gordos falar para o outro:

Ei pessoal, amanhã é lá na casa do presbítero Jacinto Mel de Oliveira!”.



P.S.: Que Deus nos dê de Sua graça e de Seu entendimento para que possamos ficar só observando a gurizada se alegrar nesse seu feriadão, sem nos envolver na degustação de seus docinhos deliciosos. Crianças bem comportadas podem se esbaldar no dia dedicado a elas. Quanto aos pais e avós obesos, aconselho que fiquem de longe, com o pensamento voltado para o “alto”.

AMÉM...


Como o tema aqui exposto trata do pecado da "doce gula", publico abaixo, a charge de Jasiel Botelho, que mostra um "crente" obeso pregando para um magro pecador.





Por Levi B. Santos

Guarabira, 10 de outubro de 2009

4 comentários:

Leonardo Gonçalves disse...

Caro Levi Bronzeado,

Saudações fraternas! Quero te convidar a conhecer meu mais novo blog, e ler alguns solilóquios, e deixar também sua opinião.

O endereço é www.soliloquiar.wordpress.com

Um forte abraço;

Leonardo.

Levi B. Santos disse...

Caro Leonardo



Como gosto de ouvir os gemidos da alma, frequentarei esse seu mais novo recanto[Solilóquios] com assiduidade.

Retribuo-te na mesma moeda:


Amigo!....
Parceiros somos desta alma inquieta,
Desta ansiedade, não sabemos a fonte.
Que, quando queima demais em nosso peito
Explode então como um vulcão na boca,
Numa profusão de contidos sentimentos.


Parabéns e um grande abraço,


Levi B. Santos

Esdras Gregório disse...

Levi você é tão criativo nas suas historias que duvido que isso tenha realmente acontecido rsrsrs

Verdade ou ficção, os seus textos são pequenos apesar de grandes, leio como se tivesse degustando um bolo de chocolate rsrsrs

Uma coisa eu senti ao ler essa historia: a vontade de estar neste ambiente familiar de ar adocicado de Graça e glacê, amor e sabor.

A verdade do texto e da fotografia e tão poderosa, pena que o que impera no nosso meio é o preconceito religioso a outros sabores da vida.

Todo sabor nos é lícito, mas sem excesso, e sem a invasão do direito do outro.

um abraço.

Levi B. Santos disse...

Prezado Gresder Sil


A história que contei tem uma mistura de realidade e ficção.

Foi numa dessas comilanças de aniversários aqui em casa, que ventilei a hipótese de se fazer uma oração de arrependimento, ao invés do “dar graças tradicional”.

O pessoal que estava com excesso de peso caiu na gargalhada.

Diz o ditado popular: “quem conta um conto aumenta um ponto” (rsrsrs). Talvez tenha sido por isso que Jesus Cristo, apesar de ter sido um contista extraordinário, não deixou um único e escasso livro escrito. (rsrsrsrs)

Um bom tema para explorar, esse que você citou: “o preconceito religioso a outros sabores da vida”.

Irei me debruçar com carinho sobre esse assunto mais tarde.

Um abraço. Seus comentários são sempre bem-vindos.


Levi B. Santos