23 julho 2008

QUE PENA NÃO PODER MAIS...


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..............QUE PENA não poder mais impedir a fuga do tempo, nem poder reabrir portas e janelas e ver as coisas como via antes.

..............QUE PENA não poder mais acordar cedinho e ir trabalhar na grande feira de Sábado, sentindo os primeiros raios solares a encandear os olhos ainda cansados de sono.

..............QUE PENA não poder mais ter a despreocupação da primeira juventude, cujo tempo eu não sentia escoar pela estrada plácida dos anos.

..............QUE PENA não poder mais assistir ao entardecer na minha antiga rua, e ver a meninada retornando das escolas com seus blusões “caqui” de botões dourados refletindo os tênues raios de um sol mortiço descendo lentamente atrás das serras.

..............QUE PENA não poder mais ver os velhos com seus rostos imóveis nas janelas, com os olhos a vagar pela rua semi-deserta, como se estivessem antegozando diante de si um tempo infinito e sem angústias.

..............QUE PENA não poder mais ouvir o rangido da porta do quarto, na época do inverno, nem escutar o barulho da goteira próxima à cama, salpicando frias e prazerosas gotículas no meu rosto descoberto.

..............QUE PENA não poder mais rever a Filarmônica executando belos dobrados, valsas e chorinhos, nas noites enluaradas de Sábado, lá no velho coreto na Praça da Matriz, em minha cidade.

..............QUE PENA não poder mais jogar as eletrizantes peladas no chão batido de minha rua, nem poder sentir os pedregulhos e cascalhos pressionando os meus frágeis pés descalços.

..............QUE PENA não poder mais caçar de baleeira pelas matas, nos arredores da cidade, tendo atravessado no peito um bornal cheio de seixos, para atirar nas rolinhas que apareciam a minha frente.

...............QUE PENA não poder mais ver as fantasmagorias que surgiam no quarto, antes de dormir, produzidas pelos raios bruxuleantes da luz de um candeeiro de querosene pendurado na parede.

...............QUE PENA não poder mais torcer pelo cordão azul, ao som de belas cantorias nos animados e longos pastoris de ruas, na época natalina.

...............QUE PENA não poder mais ver a fumaça cheirosa matinal erguendo-se dos telhados, anunciando o café de pilão fervendo nos fogões de lenha seca.

...............QUE PENA não poder mais ouvir cartão sonoro, nem o locutor irradiando com emoção o sensacional clássico Santa Cruz e Sport do Recife, num velho rádio de válvulas.

...............QUE PENA não poder mais ver o mar de pessoas fardadas saindo das fábricas para suas casas, no exato momento em que a claridade do entardecer dava lugar as sombras silenciosas da noite

...............QUE PENA não poder mais jogar conversa fora nas noites quentes de verão, quando toda a família sentada em tamboretes na calçada comentava os fatos do dia, na dissipação das horas noturnas antes do deitar.

...............QUE PENA não poder mais usar a velha brilhantina que deixava os cabelos macios, brilhantes e bem grudados durante o dia inteiro.

...............QUE PENA não poder mais sentir o perfume suave e inigualável do sabonete Eucalol, dos banhos de cuia que eu tomava na parte cimentada do velho quintal de casa.

...............QUE PENA não poder mais caminhar à noite por ruas escuras e lamacentas, pulando poças de água de chuva, com galochas nos pés e um “flash-light” nas mãos.

...............QUE PENA não poder mais escutar a voz de Nelson Gonçalves, de Anísio Silva, de Luiz Gonzaga e de Núbia Lafaiete, nos velhos discos de 78 rotações, numa vitrola cheia de chiados, abastecida pela energia de uma bateria de automóvel.

...............QUE PENA não poder mais desfilar na data magna da pátria trajando roupa de gala impecavelmente engomada, com seus botões de prata, sem me importar com as bolhas doloridas nos calcanhares, feitas por um novo e apertado sapato de couro preto brilhante, da marca “vulcabrás”.

...............QUE PENA não poder mais ter a força varonil de uma criança, nem ter a leveza harmônica dos seus membros, desbravando destemidamente a natureza, sem a ferrugem da velhice que entrava as juntas e os nervos.

...............QUE PENA!...


......................Levi B. Santos

.....................Guarabira, 23 de julho de 2008

3 comentários:

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Adorei este texto. Melancólico...muito interessante e bem escrito ( gosto deste estilo repetitivo - que pena...que pena )Passaria horas lendo, se não tivesse acabado...Que pena,né?rsrsrs

Anônimo disse...

Lindoooooooooo...